sábado, 21 de janeiro de 2012

Posse do Presidente

Cedo pula da cama e corre até o banheiro. Liga o chuveiro (elétrico) e três ou quatro vezes molha o pé. Sempre no "inverno" é daqueles que sai rosa do banheiro, já pontilhada de suor a testa.
Volte, você, ainda no banho, escova as unhas do pé até doer. Um sabonete para o rosto, outro para o corpo. Se tem pentelho logo sai pelado aos berros!
- Se usarem meu sabonete mais uma vez vou empalar um por um!!!
Pregou um espelho em frente ao outro. Para entre eles, tira metade do pote de gel azul (sem álcool) de uma vez. Prepara, lentamente, os fios que lhe restam e sai (rosa, testa pontilhada, pés em carne viva).
Passa o café na meia. Enche o copo, toma um golé e joga o resto no ralo. Fuma um Camel, dá ânsia, quase vomita na grama, mas fuma.
Enrrola o cinto na mão esquerda e sobe já berrando. São seis, os três meninos dormem no primeiro quarto. Calejados de apanhar, quando o pai sobe já estão vestidos! O problema é uma das meninas, sofre de algum problema de sono. Não acordaria nem sendo a segunda-feira de Hiroshima.
Mais vermelho que no banho, agarra a coitada pelos cabelos e arrasta até a escada.
Posse do Presidente, as crianças com medo até do nome, o locutor capricha no Garrrrrrrrrrrrrrrastazu.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Comichão

Menina boa era a Claudia. Agora me sobra este traste. 21 anos, não trabalha nem estuda. Acorda tarde, igual ao pai. Até me corre um arrepio!
A Claudia não, saía cedo. Fazia meu café e colocava um bilhete na fresta da mesa avisando se voltava pro almoço. Quando sim fazia frango e polenta, ela adorava. Quando não, comia fora ... Me nego fazer comida pro traste!
Lembro como hoje, quinta de tardinha, ligaram avisando que a Claudinha estava morta perto da Catedral.

Dizem que quando perdemos um braço, por um tempo podemos sentir o braço ainda alí, sabe, sinto um comichão no bico do peito quando me vem a Claudia.

Morte

Morta a barata alí, morta.
Morte.
Ninguém sabe onde ir.
Forte, seja forte.
Morto o cadáver alí, morto.
Morte
Hora de partir.
Forte.

A barata

Não posso vê-la, mas escuto. Cedo eu vi, grande e gorda. Não levantei porque fiquei com medo. Passou, um ponto preto no chão ... Rápido procuro os óculos e sento.
Você parou quando te vi, tão com medo quanto eu. Pensei em levantar e você se esconde no vão guarda-roupas/parede.
Sabia que estava no lixo ... Fazia barulho revolvendo os restos. Enquanto escrevo, observo o lixo. Foi então que saiu, corajosa, grande, gorda. Veio cega em minha direção, abri bem as pernas e matei.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os três cafés

Calculei tudo, daquele dia não passava...
Ela sai de casa sempre tarde, passa pela padaria, come um misto quente e toma três cafés.
Os cafés são como uma vida - O primeiro é lento, lento como descobrir o mundo, lento como saborear as descobertas. O segundo já não demora tanto, não há tempo... Fim do segundo ato, aí chegam os tapas, tapas por todo o corpo. Encontra os cigarros e irritada pede outro café.
O terceiro sou eu.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Silêncio

A velha desvia os buracos da rua e segue em direção ao orelhão. O ronco da barriga parece mais forte que qualquer sentido, um tombo. Chove e faz frio, resgata forças para levantar. Três tentativas... Um homem no bar sente um arrepio e vira o rosto. A chuva fica cada vez mais forte! Em pé, joelhos ralados vertem sangue que mistura à água da chuva. As pernas tremem sem controle e como um sopro de força chega ao orelhão! Tira do bolso a ensopada foto da filha e beija, beija como se pudesse sentir o rosto. As pernas já não tremem, não sente as mãos... Pálpebras pesadas, debruça os cotovelos no apoio para não cair e morre. Algo melhor que o silêncio para descrever indescritível? Vou me calar.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Estação

Um barulho forte
faz levantar voo
as pombas da Estação.

O cara que me atende é péssimo

Faço voz fina!
Já não sou mais menina...

Aqueles versos

Aqueles versos
solúveis de amor
Não destilam a dor
tampouco acalma

Aqueles versos
tão fortes, tão presos
Não mais fortes que os ventos
Não destinam a dor.

Forte, preso o verso.

A filha morta

Desde pequena brincava sozinha, primeiro porque a irmãzinha não chegara, segundo porque quando chegou só sabia chorar.
O pai era bêbado, olhava-a com o mesmo olhar enojado que olhava para o copo de pinga que boiava pedaços de salame caídos do bigode.
Que bigode... Um dia agarrou a filha, sozinhos em casa beijou-a na boca. Pode sentir o asco de cigarros e cachaça... Lavou a boca tanto que sangrou.
Perdeu a virgindade com o pai, aliás, as duas. Prometia doces, bonecas... Quando não iam, passava a mão na cinta de couro e batia até dizer que sim! Terminava e dizia - Você sabe que o pai faz isso pro bem de vocês, né?
 - Quando arrumei um namorado sumi, levei minha irmã. Ele contou que eu morri, não é? Velho de merda.

Múmia Maria

- Porra, Maria! Mais uma menina! Só sai fêmea desse bucho.
Sempre quis um menino. Coisa de homem. Tive duas meninas, lindas, mas meninas. Por medo do terceiro sair menina não tentamos. 
Sabe, a Maria era uma boa mulher, mas porra... Parecia uma múmia! Escolhi outra um pouco mais velha que minha filha, fica feio sendo muito novinha.
Ah, minha filha... Morreu com 23. Tinha um namorado, o filho da puta foi entregar e menina em casa bêbado! Pode? Enfiou a moto no poste, morreram juntos. Não conseguiam separar, virou uma coisa só...
A outra filha saiu de casa esses dias, ela e minha nova mulher não se bicavam. 
- Escolha pai! Essa aí ou eu. 
Perdi uma pra morte e outra pra vida!